O que se passou na passada terça-feira em Belgrado no jogo que opôs a Selecção da Sérvia à Selecção da Albânia não foi só, digamos, o alívio de tensões nacionalistas que tem perdurado naquela região do globo nos últimos 20 anos. O que se passou na terça-feira em Belgrado foi só e simplesmente um enorme atropelo a competição salutar que consubstancia a essência da prática desportiva. A culpa do que se passou é não é da UEFA. Tanto a UEFA como os dois países na contenda deverão ser responsabilizados pelos erros cometidos.
A UEFA não é culpada por não ter precavido um sorteio capaz de separar as duas equipas porque ninguém esperaria que um confronto entre estas duas selecções terminasse da maneira que terminou. No entanto, ao impingir apenas limitações de sorteio a 4 países (Azerbeijão e Arménia não podiam calhar no mesmo grupo assim como Espanha e Gibraltar), a UEFA ignorou por completo outros cruzamentos que poderiam ditar o mesmo desfecho do jogo de terça-feira, nomeadamente se a selecção Russa por exemplo calhasse no mesmo grupo da Ucrânia, se a Croácia calhasse no mesmo grupo da Sérvia (na fase de qualificação para o Mundial 2014 existiram diversos focos de tensão nos 2 jogos realizados entre estas duas selecções) ou se a selecção Russa calhasse em sorte no grupo da Geórgia ou da Arménia. No entanto, depreende-se que a prática desportiva saudável está, por conseguinte, acima de todos os fervores nacionalistas. Se a UEFA tivesse que condicionar o sorteio por tricas nacionalistas, geopolíticas ou históricas, não confiando que a prática desportiva é mais saudável que qualquer quezília daqueles géneros, a Sérvia não poderia calhar em nenhum grupo com nenhuma das suas antigas repúblicas, a Rússia não poderia calhar num grupo com outras tantas ex-repúblicas da URSS, a Irlanda do Norte não poderia calhar no mesmo grupo da Inglaterra, a Inglaterra não poderia calhar no mesmo grupo da Escócia, a Grécia não poderia calhar no mesmo grupo da Turquia, a Polónia não podia calhar no mesmo grupo da Alemanha e a Alemanha não poderia calhar no mesmo grupo da Holanda ou da Inglaterra por exemplo.
Contudo, a UEFA também tem algumas culpas no cartório. Como um organismo que tem como missão estar vigilante a todo o cenário desportivo, social, político e geopolítico europeu, ao observar, com alguma antecedência as trocas de acusação que foram feitas durantes vários dias entre órgãos de comunicação social, dirigentes desportivos e dirigentes políticos dos dois países, poderia ter feito mais para evitar a vergonha que se passou em Belgrado, ora anulando e adiando a partida em questão, ora não acimentando ainda mais os ânimos com medidas contrárias às que tomou. O jogo poderia ter sido perfeitamente adiado para outra data em campo neutro assim como a UEFA exagerou ao proibir a entrada de adeptos Albaneses dentro do estádio onde se realizou o jogo. O que a UEFA fez, com as ordens ditadas à polícia sérvia, foi o contrário daquilo que deveria ter feito. Ao proibir a entrada de adeptos da selecção forasteira dentro do recinto, e ao aconselhar de ânimo leve a detenção de todos aqueles que o tentassem fazer, a UEFA provocou a ira dos adeptos albaneses e incentivou-os a executar algo da parte de fora do estádio. Como todos sabemos, o futebol tem servido nos últimos tempos, pelo seu mediatismo, para o mais infinito rol de protestos sociais e acções de activismo. Quem lançou o drone para dentro do estádio não fez mais do que servir-se desse mesmo mediatismo para dar a conhecer a sua causa, neste caso, as pretensões que um grupo nacionalista defende: a anexação do Kosovo, protectorado da ONU, ao território albanês, dado que esse território é maioritariamente habitado por albaneses e co-habitado por minorias sérvias. A velha questão balcânia das maiorias, das minorias, das diferenças ideológicas e das diferenças religiosas.
A maior fatia de responsabilidades deve-se imputar aos agentes no terrenos. Aos jogadores porque não souberam controlar-se no momento. Ao pisar a bandeira Albanesa que foi enviada no respectivo drone, o avançado do Anderlecht Aleksander Mitrovic semeou o ódio, acirrou os jogadores albaneses e fez explodir o ódio nacionalista vivo e presente nas bancadas. Se pudesse sancionar o jogador, Mitrovic não teria qualquer pejo em castigar o jovem avançado de 20 anos por 1 ano. Os restantes também serão a meu ver, responsáveis pelo acontecimento por terem reagido violentamente. Os stewards, cuja missão é preservar a segurança dentro do recinto desportivo, agiram contrariamente: as imagens mostram alguns a agredir jogadores albaneses. Em suma, o castigo para as duas federações não poderá ser brando. A UEFA tem como exemplo aquilo que fez no Euro de 1992: em plena guerra dos balcãs, a “desmembrada” Jugoslávia não pode participar na prova em virtude da guerra civil em decurso e dos massacres étnicos que os Sérvios e Croatas realizavam naquele período na Bósnia Herzegóvina. Porque não aproveitar a jurisprudência então criada para dar o exemplo a quem tente no futuro realizar actos análogos ao que aconteceu, punindo as duas selecções com a exclusão imediata da prova em questão e com um castigo que impeça qualquer das suas selecções ou clubes de jogar as provas organizadas pela UEFA por um largo período de anos? Aproveitando o facto da Albânia ter pela primeira vez na sua história a possibilidade de lutar por uma vaga na fase final de uma grande competição internacional por selecções, porque é que a UEFA não deve desde já dar o exemplo com a possível exclusão dos albaneses da prova (e dos sérvios também) de forma a agir preventivamente para que tais exemplos não se voltem a repetir?
Restar-nos-á esperar pela decisão que saíra da reunião do Comité de Controlo de Ética e Disciplina da UEFA no próximo dia 23 para saber o desfecho deste episódio que indirectamente também diz respeito à nossa selecção e à caminhada que esta está a fazer rumo ao próximo Europeu de Futebol.