Reconheço que, aquando da sua eleição a 12 de Dezembro de 2011, nunca vi em Fernando Gomes um homem capaz de líderar os destinos do futebol português. Em primeiro lugar porque não lhe reconheço trabalho suficiente na esfera do futebol para ocupar tal cargo. Relembro que Gomes saltou directamente da administração da SAD do Porto, instituição da qual se especula ter saído desavindo com Jorge Nuno Pinto da Costa, para a presidência da Liga e, posteriormente para a presidência da Federação, numa altura, relembro, em que o novo Regime Jurídico das Federações Desportivas já era uma realidade e, a própria FPF, vinculada com alguma dificuldade após várias assembleias-gerais para esse regime jurídico (o mesmo retirou alguns direitos às associações distritais de futebol) viu alteradas as suas competências e até a sua própria organização interna.
Em segundo lugar, porque, saídos de uma tenebrosa administração Madaíl impunha-se que o novo líder federativo tivesse o condão de emendar os erros financeiros cometidos por essa gestão da FPF e fosse capaz de ter um projecto ambicioso para a casa do futebol português.
Como objectivo explicito de mandato, Gomes prometeu construir a cidade do futebol no Jamor. A bom da verdade, os quadros da FPF tudo tem feito para levar a cabo a empreitada, não se coibindo de hipotecar sucessivamente o sucesso desportivo das selecções em prol de um objectivo comercial que permita à direcção do organismo ir eliminando o passívo herdado da direcção de GIlberto Madail – Relatorio de Contas da FPF. Assim sendo, aproveitando o prestígio que as nossas selecções atingiram na actualidade futebolística, não foram totalmente estranhas as decisões tomadas pela FPF na marcação de amigáveis em destinos tão bizarros como pouco profícuos como o Gabão ou o amigável realizado em Setembro do ano passado em Boston contra a selecção brasileira. Sendo excessivamente bem paga ao nível de cachets, não tenho qualquer pejo em afirmar que a selecção AA foi utilizada pelo presidente federativo como fonte de receitas para as empreitadas a que este se vinculou no seu primeiro ano de mandato.
Depois de mais uma fase de qualificação sofrida, era altura de programar a participação em mais um mundial de futebol. O plano de preparação seria dividido em 3 fases:
– 1ª fase realizada no Estoril, mais precisamente no Estádio António Coimbra da Mota com a realização de um amigável frente à Grécia.
– 2ª fase realizada nos Estados Unidos da América, mais precisamente numa infraestrutura desportiva do Estado de New Jersey, com um fuso horário idêntico ao brasileiro e com condições climatérias parecidas com aquelas que a comitiva iria ter no Brasil, ou seja, com uma humidade de ar a rondar os 40%. Para esta fase da preparação foram marcados dois amigáveis contra o México e a República da Irlanda.
– 3ª fase realizada nas infraestruturas hoteleiras e desportivas escolhidas pela FPF entre as muitas propostas apresentadas, localizada em Campinas, estádio de São Paulo, respeitantes a uma unidade hoteleira de luxo com todas as condições necessárias para a recepção de uma selecção participante, 2 campos de treino programados (o estádio do Ponte Preta e um estádio menor utilizado para a realização de treinos; e treinos abertos) e a vantagem de um dos aeroportos de São Paulo ficar a poucos minutos de viagem da unidade hoteleira. Como benefício acessório, a FPF reiterou ainda que a zona em causa (Campinas) era uma zona habitacional residida por uma considerável camada populacional luso-descendente, factor que poderia efectivamente jogar a favor da selecção pelo apoio que é indispensável à participação num Mundial de Futebol.
O resto da história todos conhecem. No final do mundial, o presidente da FPF afiançou que a seu tempo seria conduzida uma investigação sobre o que correu mal neste mundial e revelados os resultados dessa investigação interna.
Na semana passada, dois meses idos da desastrosa participação no mundial, o presidente da Federação decidiu aparecer às 17h de uma terça-feira para finalmente revelar o que é que correu mal na participação lusa no mundial. Desculpando-se com a permissa “todos fomos incompetentes”, Fernando Gomes não conseguiu justificar quem é que foi incompetente. Arrebatou todos no mesmo saco e rapidamente afirmou que a preparação traçada era a adequada para a participação num mundial de futebol, modificou um parte menor da estrutura das selecções e logo que pode, escapuliu-se para o seu último bastião redentor: a cidade do futebol.
Entre as modificações traçadas na estrutura das selecções, ficámos a saber do responsável máximo federativo a saída (já solicitado antes da prova pelos próprios; quão convenientes estas saídas pelo próprio pé) do departamento médico da selecção A (Dr. Henrique Jones e Dr. Nuno Campos) e a sua substituição por um novo departamento médico comandado pelo afamado cirurgião ortopédico Dr. José Carlos Noronha. A confiança em Paulo Bento, um dos únicos seleccionadores presentes no mundial que renovou com a sua federação antes da prova, manteve-se, concedendo o presidente ao seu pupilo um novo canal de interligação às selecções jovens, ou seja, Paulo Bento acumulará com o cargo de seleccionador nacional, o comando técnico da estrutura jovem da FPF. E a Cidade do Futebol fez-se ouvir.
Da boca do responsável federativo não ouvimos qualquer justificação acerca do facto de ter renovado previamente com o seleccionador nacional, sabendo que grande parte das Federações Nacional esperam pelo fim do ciclo para fazer uma reflexão aprofundada do trabalho realizado para apurar os erros cometidos e realçar o que é que se deve mudar para o ciclo seguinte. Do responsável federativo não ouvimos qualquer justificação acerca do facto do seleccionador nacional ter convocado meia dúzia de jogadores da sua estricta confiança que não se encontravam nas melhores condições para abordar um Mundial de Futebol, ainda por cima, disputado sob condições climatéricas que obrigavam a cuidados fisiológicos redobrados. Do presidente federativo, não ouvimos qualquer justificação quanto à pertinência dos amigáveis realizados durante a fase de preparação. Do presidente federativo, não ouvimos qualquer justificação quanto às ditas investigações levadas em curso após a eliminação da competição. Ao comum português não foi esclarecido o timing de chegada da equipa ao Brasil, ignorando todos os clínicos que aconselharam previamente à necessidade de chegar ao Brasil num prazo de 6 a 14 dias de antecedência da primeira partida, de forma a que os jogadores se pudessem ambientar naturalmente ao fuso horário brasileiro e ao clima. Muitas foram as vozes clínicas que alertaram para a necessidade de uma chegada nunca inferior ao prazo de 9 dias de antecedência do primeiro jogo. A equipa chegou a Campinas a 5 dias da prova, sendo que um desses dias foi “gasto” na viagem para Salvador, o local do primeiro jogo.
Curiosamente, no dia da eliminação da fase-de-grupos, o presidente da FPF foi ávido em refugiar-se novamente nas contas, noutro dos bastiões do seu mandato, quando afirmou que os contribuíntes portugueses não iriam pagar a desastrosa participação, pois, os custos da mesma já estavam cativos nas verbas que a FIFA atribui pela participação das selecções na competição. O presidente da FPF não teve qualquer pejo em deturpar e subverter, para efeitos de imagem pessoal perante a vox-populi num momento negativo, as regras do jogo: as verbas que a FIFA dá às Federações que participam nos mundiais não servem para pagar as despesas de participação das respectivas selecções mas para serem canalizadas em development, ou seja, na construção de infraestruturas que fomentem a prática da modalidade no país em questão.
Afinal de contas quem é que foi incompetente? Quem é que foi incompetente se as únicas pessoas que saíram foram os médicos e o seleccionador, o mais incompetente de todos, saiu do processo com poderes reforçados? Se o presidente da Federação se proclamou incompetente porque é que não abdicou do lugar na hora? Como é que poderemos ter tantos incompetentes a representar a nossa selecção?