O dilema de Liverpool

luis suarez 2

Sempre que um icónico jogador é transferido por uma grande equipa, o treinador dessa mesma equipa tem como missão (caso a direcção lhe disponibilize recursos financeiros aceitáveis para procurar um ou vários jogadores substitutos) encontrar soluções dentro do mercado para amenizar os efeitos da perda desse mesmo jogador. Tenho como dado assente que nenhum jogador é substituível directamente por outro. Como em tudo na vida, no futebol, no máximo, sempre que um substituto faça lembrar o jogador transferido ou consiga atingir num curto ou médio espaço de tempo o nível de performance daquele que rumou, não existem dois jogadores iguais e a forma de jogar da equipa altera-se com um maior ou menor grau de diferença em relação às bases existentes aquando da presença do jogador transferido.

Luis Suarez conseguiu, apesar de ter protagonizado imensas cenas de indisciplina durante a sua estadia de 3 épocas em Anfield Road, criar uma enorme empatia junto do Universo Liverpool. Apesar de só na sua última temporada ter conseguido apresentar um rendimento de excelência, a estrutura do clube britânico segurou o uruguaio como pode e este acabou por cair no goto dos adeptos. O jogador cativou de tal forma os seus colegas de equipa e adeptos nas suas duas primeiras temporadas (creio que estes acreditaram que iria explodir mais tarde ou mais cedo e ajudar o clube a conquistar troféus) que, aquando dos sucessivos castigos com que foi sancionado pela equipa de Liverpool, o capitão Steven Gerrard, a maior figura do clube treinado por Brendan Rodgers, nunca deixou cair o colega e incentivou-o a melhor o seu rendimento e permanecer no clube numa altura em que o uruguaio não queria permanecer em Liverpool porque considerava que os adeptos não gostavam dele e a equipa não era suficientemente competitiva para lutar por títulos. No verão de 2013, quando existia a hipótese do jogador rumar a Madrid, Gerrard foi ter com Suárez e pediu-lhe encarecidamente para ficar mais 1 ano de forma a ser a maior estrela de uma equipa que estava a ser construída para obter altos voos na temporada 2013\2014. O uruguaio não tinha como negar o desejo do capitão e amigo Gerrard. Desde então o seu rendimento em campo melhorou significativamente e o seu comportamento dentro e fora das quatro linhas melhorou satisfatoriamente. Até à mordidela em Chiellini, claro.

No verão de 2014, cotado, quase como sempre nos últimos defesos, como um trunfo apetecível a todas as equipas com grandes objectivos europeus, a direcção de Liverpool sentiu que não poderia pedir mais ao jogador depois de se ter gorado o objectivo de vencer a Premier League. Assim como, sentiram que, perante uma proposta do Barcelona, o jogador não poderia permanecer em Anfield Road. Bastou apenas ao Barcelona acenar com um único trunfo: títulos. Coisa que o uruguaio não tem, excepção feita a um punhado de conquistas internas no futebol holandês ao serviço do Ajax.

A saída de Suárez colocou, como não poderia deixar de ser fruto do facto de ser a grande peça na engrenagem da máquina de Rodgers, uma enorme dor de cabeça ao treinador do Liverpool. Suárez representava golos, assistências, dribles, abertura de espaços para os restantes companheiros de ataque através das suas rápidas e loucas movimentações que desgastam qualquer eixo defensivo, coragem no plano mental para resolver em situações de desvantagem ou em situações de pressão nos jogos contra os outros grandes da Premier League, ambição, garra, auto e hetero motivação, liderança e vitórias, muitas vitórias.

Não sendo um jogador substituível no imediato, Brendan Rodgers tentou agir com uma política de contratações muito utilizada nos desportos americanos, sobretudo na NBA: se sai um jogador que é capaz de marcar 30 golos por temporada e oferecer 20 assistências aos companheiros, tentarei substituí-lo com a entrada de vários jogadores capazes de fazer os seus números em conjunto, com potencial para formar uma boa equipa, com potencial para se tornarem grandes estrelas do futebol mundial e com uma margem de manobra interessante para Rodgers moldar à sua semelhança e feitio. Esta velha policy de transferências é como se sabe muito utilizada na NBA. Façamos o esforço de imaginar: se um jogador importante que faz 25 pontos de média por jogo, 7 assistências de média e ganha 6 ressaltos por jogo (naquela Liga Norte-Americana há vários jogadores a fazer estes ou melhores números com uma base de consistência regular), o treinador dessa mesma equipa tentará suplantar a saída de um jogador com a entrada de outro ou de outros capazes de garantir esses números. A equipa depende obrigatoriamente dessas estatísticas para se manter funcional e vitoriosa.

Foi nesta onda de pensamento que Rodgers fez chegar a Anfield Road no passado defeso jogadores como Markovic, Adam Lallana, Ricky Lambert ou Mario Balotelli. Rodgers pretendeu numa primeira abordagem de pensamento que estes conseguissem obter, juntos, o número de golos e assistências do uruguaio. Numa segunda abordagem, Rodgers aproveitou os 84 milhões encaixados pela transferência para acrescer imensas unidades de valor ao ataque de uma equipa que pecou por ter poucas opções durante 13\14, resumindo as opções do meio-campo para a frente a Phillipe Coutinho, Daniel Sturridge, Raheem Sterling, Suárez, Iago Aspas, Joe Allen e Luis Alberto. Para uma equipa que, a meio da temporada, mudou os objectivos firmados para o final desta, assumindo-se como uma equipa candidata ao título da Premier League ao invés de uma equipa candidata aos lugares europeus pelo brilharete que a equipa estava a realizar no campeonato contra todas as expectativas, sabemos bem que estas opções para o ataque eram, à priori, escassas para conquistar esse objectivo num campeonato tão competitivo e com tantas estrelas como é o campeonato inglês.

Contudo, a sensação que me dá e que comprova este mau arranque de temporada da equipa britânico, é a de que Rodgers ainda não conseguiu mover todas as pecinhas do puzzle de forma a completar a filosofia de jogo que pretende para a próxima era do clube de Merseyside. Isto porque, se tomarmos em conta que a equipa com Suárez era moldável ao ponto de tanto poder jogar em ataque organizado com a construção de Gerrard, Jordan Henderson e Joe Allen, beneficiando do drible portentoso de Suárez, da abertura de espaços de Suárez através das suas constantes movimentações para a entrada de outros jogadores na área a finalizar, como, por outro lado também seria uma equipa capaz de jogar a alta velocidade com a prática de um modelo de jogo assente em transições rápidas ou lançamentos longos para as alas para a velocidade de homens como Coutinho, Sterling ou Sturridge, neste momento, os 4 jogadores adquiridos para a frente de ataque demonstram ser jogadores que não encaixam em alguns dos processos que Rodgers gosta de serem aplicados em campo:
– Markovic não é um finalizador puro e é um jogador que encaixa muito bem num modelo de transições rápidas para o contra-ataque. O sérvio sente-se melhor nesse tipo de processos do que no ataque organizado. Em Inglaterra não terá tanta liberdade para colocar as suas poderosas arrancadas em drible pela zona central com incursão na área e finalização como tinha em Portugal. O sérvio será o jogador que combinará melhor com a dupla Sterling\Sturridge se bem que Phillipe Coutinho também é muito forte quando é chamado a pegar o jogo na esquerda e correr em velocidade com o esférico. – Adam Lallana é um tecnicista puro que gosta de jogar com espaço para colocar os seus dribles, espaço esse que não é concedido por grande parte dos pequenos em Inglaterra. Não é jogador para alinhar no contra-ataque.
– Mario Balotelli é um jogador demasiado lento para jogar no contragolpe e não é tão móvel quanto Suárez e tão mortífero no drible de 1×1. O seu jogo assenta no seu poderio físico e na sua potência de remate. Sendo algo lento de movimentos e um jogador que necessita de ter bola à entrada da área para rematar, não combina com a rapidez de movimentos de Sturridge ou Sterling e pode ser até um jogador capaz de congelar a velocidade que a equipa tenta imprimir nas saídas em contra-ataque.
– Ricky Lambert é um rato de área, compreendendo-se apenas a sua contratação para a utilização esporádica em jogos em que a equipa tenha de abandonar a sua identidade em prol de um estilo de jogo mais directo.

Se ofensivamente a equipa parece algo desordenada ao nível de peças, defensivamente, esta equipa do Liverpool tem imensas potencialidades apesar dos maus resultados estarem a confirmar o contrário. Dois excelentes laterais com muita propensão ofensiva (Glen Johnson, Alberto Moreno) e outros dois muito equilibrados (Javier Manquillo e José Enrique). No eixo da defesa, Skrtel, Lovren Kolo Touré e Mamadou Sacko são centrais controladores, fortes na marcação, fortes fisicamente, fortes no jogo aéreo. No entanto todos eles pecam por serem centrais algo lentos e com dificuldades para sair a jogar. Daí que Brandon Rodgers aposte imenso na saída de jogo a partir de trás por intermédio de Lucas Leiva ou Emre Can. O alemão é melhor a cumprir esta tarefa que o brasileiro. O brasileiro é mais agressivo e acutilante na pressão que o alemão assim como cobre melhor os espaços que este.